quarta-feira, 16 de maio de 2007

Algumas reflexões sobre a chuva


O dia hoje está mais para imbernar do que para trabalhar. Uma chuva insistente desde a madrugada nos remete ao aconchego do quarto, um TV ligada por nada, coberta e, é claro, uma boa companhia. Uma chuva como essa, me transporta às coisas do inverno, aquela sopa quente, feita com carinho pela mãe, o vidro da janela embaçado, onde o olhar procura uma imagem, na rua molhada, nos passos apressados daqueles que têm de trabalhar.


Sempre penso que, a chuva, nunca é demais ou ruim. Ela pode atrapalhar, provocar danos e até causar mortes, mas é a natureza mostrando a sua cara, o seu interminável processo de transformação da paisagem e, por conseguinte, das pessoas. A água da chuva é imprescindível para todos nós. Por quê se diz então que o tempo está ruim? Será que o tempo não é simplesmente o tempo?

Chuva - Juan Gelman

hoje chove muito, muito,
e parece que estão lavando o mundo.
meu vizinho do lado contempla a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor/uma carta à mulher que vive com ele
e cozinha para ele e lava a roupa para ele e faz amor com ele/
e parece sua sombra/
meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher/
entra em casa pela janela e não pela porta/
por uma porta se entra em muitos lugares/
no trabalho, no quartel, no cárcere,
em todos os edifícios do mundo/
mas não no mundo/nem numa mulher/
nem na alma/quer dizer/nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim/
como hoje/que chove muito/
e me custa escrever a palavra amor/
porque o amor é uma coisa
e a palavra amor é outra coisa/
e somente a alma sabe onde os dois se encontram/
e quando/e como/
mas o que pode a alma explicar?/
por isso meu vizinho tem tormentas na boca/
palavras que naufragam/
palavras que não sabem que há sol
porque nascem e morrem na mesma noite em que amou/
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá/c
omo o silêncio que há entre duas rosas/
ou como eu/que escrevo palavras para voltarao meu vizinho que contempla a chuva/
à chuva/ao meu coração desterrado/


"Balada da Chuva"
A tarde se embaça: - um pingo, outro pingo
respinga um respingo de encontro à vidraça;
um pingo, outro pingo, e a chuva aumentando
e eu nada distingo,- respinga um respingo
tinindo, cantando de encontro à vidraça

A noite esta baça e a chuva enervante
batendo, batendo, constante, cantante
de encontro à vidraça

A terra se alaga o céu se nevoa,
e a chuva é uma vaga fininha, descendo,
parece garoa!
parece fumaça!
- e as águas decendo e as poças subindo
e a chuva descendo e a chuva não passa!

O dia surgindo, manhã turva e baça.
A chuva fininha miudinha, miudinha,
parece farinha lá fora caindo,
através da vidraça.

A tarde está escura, a noite está baça,
e as brumas de um tédio
de um tédio sem cura
talvez sem remédiominha alma esfumaça:

- um dia, outro dia e os dias passando
em lenta agonia segunda a domingo;
um pingo, outro pingo,respinga um respingo,
batendo, cantando, mil dedos tocando
de encontro à vidraça...
-que chuva! que chuva!
e a chuva não passa!

Constante, cantante caindo distante
nas folhas molhadas,
nas poças paradas despidas e nuas,
e murmurejante rolando nas ruas;
-um pingo, outro pingo
na lata cantando goteira se abrindo
pingando, pingando

batendo, batendo
tinindo, tinindo
parece um tinido, de taça com taça,
e a chuva chovendoe a chuva não passa!
O vento nas folhas de leve perpassa,
e as gotas nos fios rolando, escorrendo
lá fora estou vendo através da vidraça,
- que dias sem alma!
- que noites um graça!e a chuva, que calma!

chovendo, chovendonão passa! não passa!
A terra está envolta nas brumas de um véu,
de um véu de viúva que o dia escurece,
e a noite enfumaça.

- E' a chuva que chove, e do alto se solta
descendo, descendo, rolando, escorrendo
nos olhos do céu...Nos olhos do céu e no olhar da vidraça!
-que chuva! que chuva!

parece um dilúvio,
quem sabe?
- parece que a chuva não passa!

(Poema de JG de Araujo Jorge extraído do livro " AMO ! " 1a edição 1938 )

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