sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Mais uma (do Mais Médicos): Para ONG, médicos resistem a programas federais para manter controle do mercado.

São Paulo – Em meio à disputa entre o Ministério da Saúde e as entidades corporativas dos médicos brasileiros em torno do programa Mais Médicos, a chegada de profissionais, brasileiros ou não, para atuarem na atenção básica é vista de forma positiva por ONGs e entidades que atuam em regiões carentes e distantes dos grandes centros.
A nova polêmica vem do anúncio feito nesta quarta-feira (21) pelo governo federal de um acordo com a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) para trazer ao país até 4 mil profissionais cubanos ainda neste ano. Aberto primeiramente para inscrição de médicos brasileiros, dos 1.557 municípios considerados prioritários, 703 não foram escolhidos por nenhum profissional e devem receber os primeiros profissionais cubanos, com grande experiência em atenção básica.
Valdevir Both, do Centro de Educação e Assessoramento Popular (Ceap), relata haver uma carência enorme de atendimento básico no sul do país – e a falta de estrutura não é o motivo. “No Rio Grande do Sul tem municípios que chegam a oferecer R$ 20 mil por mês de salário, com estrutura adequada, com ambulância equipada para os encaminhamentos necessários, e mesmo assim não encontram interessados. Alguns municípios optaram em pagar o curso de medicina para seus estudantes a fim de futuramente garantir atenção médica aos seus habitantes”, afirma.
Em sua avaliação, o mérito do Mais Médicos está no fato de finalmente o Estado brasileiro assumir a responsabilidade de controlar uma das categorias profissionais centrais para o sistema público de saúde. “O que tem acontecido até agora é a categoria médica regulando o mercado da medicina, num corporativismo cujas consequências hoje são visíveis na ausência de profissionais interessados em trabalhar no Sistema Público”, afirma.
“O Mais Médicos representa o primeiro passo para dizer aos profissionais nossos que se negam a trabalhar que se eles não têm interesse, o Estado brasileiro vai buscar mecanismos para atender essa demanda e não será mais a corporação que irá condenar milhares de cidadãos à falta de atendimento médico”.
Na avaliação de Alexandre Pires, coordenador geral da ONG Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, a realidade da falta de médicos é particularmente problemática na região Nordeste. A entidade que Pires dirige possui sede em Recife (PE) e trabalha diretamente com habitantes de pequenas cidades do interior que dependem da agricultura familiar. “Não é incomum haver apenas um médico de plantão em uma unidade de saúde, sendo que normalmente esse médico atende de forma bem genérica e obviamente não dá conta da demanda dos municípios”.
Para Alexandre, não podemos apenas levar em conta o tratamento das doenças, mas também a prevenção. “É preciso considerar o contexto social e as práticas alimentares que levam a determinadas enfermidades. Precisamos de ação educativa e preventiva por parte dos médicos. A ausência dessa atenção básica acaba gerando um conjunto de problemas maiores para a população e um custo muito mais alto para o estado quando tem de arcar com especialistas”.
Joselito Luz, diretor da Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia (Apalba), vê de perto o problema da carência de profissionais especializados. Membro de uma entidade que representa um segmento historicamente excluído, principalmente no interior dos estados, Luz alerta para a necessidade do atendimento básico mesmo em casos mais raros, como o albinismo.
“O Mais Médicos ajudaria pelo menos a garantir o atendimento preliminar e essencial. Desde que eu acompanho esse debate vejo que a classe médica privilegia muito o lucro decorrente de exames e procedimentos mais complexos, já que o atendimento básico não gera dinheiro para o profissional. A prevenção, que garantiria qualidade de vida e redução dos casos de emergência, é rejeitada por uma lógica capitalista”, afirma Joselito.
Para ter o acesso ao atendimento, por exemplo, a Apalba conseguiu fazer um acordo com o estado e com unidades de saúde especializadas da Bahia. No entanto, essas instituições exigem laudos difíceis de conseguir por conta da falta de médicos.
Como as entidades citadas, muitas outras Organizações da Sociedade Civil trabalham diretamente com a população mais afetada pela falta de médicos e podem fornecer uma visão diferenciada sobre o impacto do Programa Mais Médicos.

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